o que é uma letra?, enfurno o olho nuns por dentros, preciso recompor o fio da ficção que me trouxe, tem olho o Torvelinho, um que tudo vê, rasga e acende, uma luz lhe inunda e torna oco, animal oco, rodam ratazanas, gambás e bicos de biguás em volta das asas, uma luz lhe inunda e esvazia a cara, há sempre onde cair e onde se cai é também o que ampara. eu queria correr por dentro do que tivesse corpo, o toque, o desfolhamento, a gente nunca sabe nada do ver. como estar próximo?, como de fato TOCAR?

 eu queria me desmanchar em micropedacinhos de matéria viva.

O QUE É QUE VOCÊ TÁ SUSPIRANTE ASSIM? nas alturas. parece um doido. nas alturas das águas. é que volta e meia eu lembro do Torvelinho, você sabe. eu sei, eu sinto o cheiro daqui, o aí de dentro da sua cabeça, miolo e fúria, cipó retorcido e sílaba. eu sei. mas movimento de rotação em espiral, os pequenos voos, um tom urgentíssimo, você deveria começar é pela vida do riacho pra cá, das bandas que  são nossas, olha só a gente, o Olho-vazado que se tornou um que teve o coração transpassado, trejeito quase enternecido, uma cascatinha descendo livrada no peito montanhoso. um coração que vê. que vê mais ou menos, ver não se parece tanto com isso, não é como se houvesse imagem que a minha capacidade de ver conseguisse ordenar e pôr no lugar de coisa vista. o meu olho vaza, às vezes deixo que seque ao sol.

de todo modo não é ainda a vez dele, do Torvelinho, do animal oco cujo corpo é um esconderijo submarino. você tem razão, fica de mau tom começar por esses assuntos de funduras, o charco devorando o mundo. quero antes. antes que a gente se enfie. de desfiar o fio que guia pelo labirinto. Olho-vazado me faço e surjo com as palavras do abismo e não é exatamente bonita a paisagem, sempre assim profunda rica inquisidora lírica ou não tão só, porque é cisterna a paisagem e frio e lodo e nojo, sobretudo nojo esse que não me larga, imagine você ser siamês e ter que dividir até a bosta do cu com outro sujeitinho que também é você, não na cabeça, mas na carcaça e nuns por dentros, vesícula fígado pulmões e até na inutilidade suprema do apêndice, o cara quer até o que você tem de mais inútil e ainda bem que eu não tenho é nada, que cedo compreendi: a vida é um avesso, além de vesícula fígado etc etc tem também aqueles alinhavados pegajosos todos, os intestinos que são de um e que são de dois, a cobra que morde a própria cauda com maravilha ou desdém e sobremodo eriça as escamas numa vertigem de espelhos. surjo com as palavras do abismo e ora aqui ora acolá mudo o nome, pareço outro, um lá-e-cá me preenche, um lá-e-cá recheia a carne gordurosa do bicho morto. escancaro a fera, parece que a cara em mim não gruda, mas desgrudada da minha cara tenho outra, ele é que tem, ramificação no nosso pescoço, o Olho-ostra, esse que sou eu e que não sou, esse que é bicho de estremadura feito eu, eu que aconteço e sigo impossível de VER, “mas o que é que significa VER?” é o que dizia num livro a dedicatória que um homem escreveu a uma mulher, escreveu também que a amava muito, e eu roubo a dedicatória, roubo-a agora no instante em que me lembro dela e não no primeiro instante, o livro em mãos, a boca um pouco seca de estalo de espanto, ou eu que vejo e não me atenho, que capto e não fixo, que quando fixo já me esqueço e dou o salto, este salto e o seguinte para que venham outros, cindido de tempo e chão da queda, eu tive um sonho dos homens antes da palavra escrita, de que se encharcasse e se instaurasse neles um sem nome, como uma peste a um corpo esquecido sobre o qual o tempo poderá deitar sombra ou poeira, os documentos inúteis e timbrados marca d’água assinaturas rubricas ter um nome pra ter onde pôr a casa, pôr a casa num nome que existe segundo um documento, e não segundo a um reconhecer-se a si como chamado, ter um documento pra pôr ordem na casa. eu sei lá, eu fico pensando que responder ao chamado não pode ser determinado por chegar no emprego às 8, largar às 18, papel pautado, engarguelado até o talo. proatividade e migalha apodrecem sempre para dentro, o primeiro homem que leu sanções na placa, que detonou a bomba cuja destruição é frágil. eu sou um caga-lume, no meu olho tem espaços abertos, córregos. uma claridade frouxa. nunca me vi.

Olho-ostra está parido, como recompor o fio de um labirinto cuja entrada não existe e cuja saída se faz o próprio caminho?, Olho-ostra tenho sido, escrevo os meus refúgios todos num tempo de esperas e pressentimentos, a ficção é o labirinto, meticuloso afio as barbatanas, sou um peixe subterrâneo e aguardo um desastre nuclear, o cataclismo que fará voar a km/h supersônicos as gravatas, as cores dos semáforos, as antenas parabólicas dos edifícios e das casas, os vidros e os ponteiros rígidos dos relógios, as chinelas que por ventura uma mulher calce e as botas que por ventura um homem lamba, os dentes de leite dos meninos e os dentes permanentes dos adultos, a bomba que é um cálice e que entorna sobre a terra a sua grande mancha. fico no bueiro feito pertencesse a uma espécie específica de barata, caixas de esgoto tubos de queda d’água lixões jazigos fossas ralos curtumes, meus lugares de dizer que não fui pego, só os organismos mais simples e mais lentos conseguem estar no mundo e ir com ele, de modo que uma barata pode viver sem cabeça durante algumas semanas e que suas células por se reproduzirem com vagar possuem mais tempo para solucionar danos fatais causados pela radiação. mas aí é que tá. e se você tá errado? e caso essa bomba tal qual você imagina não chegar? você se sente muito especial por prescrever os caminhos, por ser esse sujeitinho insuportável, sempre pra dentro. você só entra em você. e fica aí, entocado. você acha bonito nunca ter jeito de puxar um assunto. que merda. sei que entre o abismo e a casa não há cerca parede qualquer vestígio de divisão, é por isso que há o umacoisasó, que são o mesmo o abismo e a casa ou o abismo é a casa e a casa talvez seja o quintal porque a casa onde eu caía, o quintal onde eu ralava os joelhos que são meus e que ao dizê-los meus digo também que são seus: ambos sentíamos a dor sem que ela se dividisse pelo número de cabeças, em duas, a dor intacta cobrava o seu preço e era a minha e a sua dor distintas e uma mesma, o abismo da infância tinha heras nos muros, eu pegava as sombras pelas pontas com o desajeito com que pegava os avessos e seus brilhos miúdos de armarinho. é arejado o abismo, nele sufoca-se na ventania, uns atravessamentos na garganta, na cabeça os cabelos num maremoto cruzando por cima, um pé de acerola, uma muretinha baixa de pedras irregulares dividindo o jardim suspenso das lembranças que não temos, cururus inchados dando seus passeios pesados e noturnos, os quartos com chão de madeira muito escura, uma muralha de pedra e escaladas na sala de estar. somos filhos, temos pai se tem pai uma pergunta que dorme escarra caga e morre? o fio do labirinto está descascado e é elétrico. o fio da ficção que me trouxe é uma raiz que flutua.

houve o sopro, o sopro na boca para que aprenda a falar e responda, para que ganhe Germe e empreenda a grande viagem, o início, a travessia de animal recheado e sacro, o verdadeiro nascimento, e há o umacoisasó, o abismo que habitamos, a casa ou abismo que nos lança ao mundo que sonhamos acima de qualquer suspeita. estou há uma hora do fundo falso, digo não caio mais em armadilhas mas vou ao trabalho, são fios invisíveis, só cago quando volto, ligo o despertador que toca um minuto ou dois depois que acordo, o bicho morto recheado e muito bem adestrado, sinto uma falta a medida em que sou solapado ou me solapo a ponto de tentar, e muito mal, tecer o labirinto quando estou completamente extenuado e não me resta mais nada, nenhuma opção ou vontade, quando estou exausto demais até para dormir. a linguagem é uma larva pontiaguda, me enoja. peixe de chifre. peixe tem corpo aquoso, molenguento assim moldável pelo meio ou porque é meio, não sei se uma continuação que difere, água transmutada ou se água mesmo. se tudo não é uma coisa só. uma hora fica. o labirinto que teço não sei se tem corpo de pergunta, se é início ou continuação de algo que não se sabe e, abruptamente, chega. uma hora foi. mas sei que interrompe uma linha, explode uma esfera: a de passar tanto tempo a desempenhar papeis de si mesmo, menino memorizar os conteúdos todos na escola com a finalidade de tirar a nota máxima na prova, memorizar o que precisa ser feito, otimizar sempre otimizar desde sempre, pigarros e tapinhas nas costas, estar em dia com os deveres para só então cobrar os direitos, eis um verdadeiro cidadão, só seguir em ordem todas as memorizações como se estivesse desempenhando papel trivial de ser a si próprio.

Olho-vazado não retém e é por isso que abarca, parece que só vai passando, fazendo pequenas inaugurações, há nele uns sustos. o abismo e a casa, esses dois que de longe se avizinham, dão ar de minha familiaridade com a vertigem: não há coragem em salvar-se pela doença, é assim também com essa ficção, com esse estar à beira, com as palavras que detono nela, palavras que desde muito conheço e no entanto, compondo o que sobra da explosão, não sei quais são. é por isso que são familiares. para de querer ter as palavras, escreve com as palavras que você não tem. risca com ausência. esse entalo seco diante das formas mais plenas de covardia, da perversidade estourada em quatro tiros na cabeça de uma mulher negra que difere e questiona, e agora esse rio enxuto que fica correndo dentro da gente. a gente fica sem ter onde caber. fala o que não cabe. o que é o possível? e o irreal, essa coisa que não se sabe?

e o Torvelinho, o Coisa Impossível, esse que deu medula e osso num sopro e em contrapartida foi soprado, que tem um corpinho denso de vento, aqui ele chega, cai telhado esburacado de casa, desmonta árvore de caule fino, qualquer caco mal pendurado etc etc, o olhão escarafunchado cintilante que tudo vê, lampejo e punhal escarafunchando. tão bonito ser ambientado, sem espanto de haver um mundo, de estar em alguma porção dele mas o que é ele?, sem revirar o cascalho com ar de algum brilho gravíssimo escondido.

o Coisa Impossível.

que se estivesse morto estaria aqui pelas bandas da gente, sem levantar o pó, sem arremessar a poucos metros coisa miúda com alguma graça. duro. frio. fixo. mas porque vive diverge, e então impossibilita: se afasta e não sabemos onde é que ele está aqui-agora, nem sabemos o que seria aqui-agora, a substância de que é feito, claro que depois da nossa insuflada vocação de ser a imagem malajambrada e semelhança, um chicote a golpear os cornos, um pequeno sorriso arriando da cara, e a gente aqui que se confie em governo igreja casamento INSS. aí vira um não tem quem aguente.

fazer tomar corpo. nutrimo-nos um do outro. e quem é que não? não é como se porque fôssemos dois irmãos grudados. não nisso. chang é quem fala, eng enquanto isso pendula. é outra forma como nos chamam aqui, chang e eng, do riacho pra cá. e embora a gente não tenha a roupa de grande atração da noite. a roupa ausente tem estrelas bordadas no alto dos dois bolsos folotes que estão na altura dos peitos, um fundo azul anil, um fio dourado que passa pelas bordas das estrelas e culmina numa lua minguante imensa na barriga a despejar um ocaso. recém-paridos, marcávamos a inauguração de um mal augúrio que por desforra ou graça os pássaros esqueceram de voar e cantar. mas ainda não era esse o nascimento, a tentação. o nosso corpo tem dois extremos, os dois deliram, mas o entrelaçamento é o êxtase, é o ponto exato no qual habita a nossa reciprocidade. Olho-vazado, Olho-ostra, para além do nojo, da sujidade da víscera: o cerne, para além disso de estar sempre acoplado ao irmão, essa intimidade que a gente tem, que há entre quem se fecha e quem se abre, que no fundo joga o mesmo corpo na experiência, no espaço, no nosso interior comum. chang abarca tudo com o olhar, de repente o nosso corpo não coincide, um entalhe no meu olho, sigo vendo sem me ater, o meu olho é um buraco que suga, mas é possível não esquecer que ressoamos, pequeninos frutos do contágio que somos, as formas de abrir no mundo e, somente por essa fenda, inaugurar o desvio, fazer uma festa a tudo que deriva e que rompe, corda que se puxa firmemente nos dois extremos, o dorso aclarado do mistério.

estamos os dois na beira da caverna. daqui vejo os cipós retorcidos como a escuridão mais escura: labirintos que se emaranham. o lugar de um, o lugar do outro, o lugar de um só. o lugar de um só, o lugar de um, o lugar do outro. perto da entrada e penso: quando a ponto de cair na verdade, salvar-se pela doença. não esturricar em cima do mistério uma ânsia de resolver, mas num sopro de distração sonhar em esclarecê-lo, o sono leve cuja falta faz ao homem, o desejo viscoso, a dúvida que sucede toda curiosidade. que as coisas são menos estes dois pontos em que o eixo da Terra corta a superfície terrestre e mais o fosso que aí está, no meio. é nesse em suspenso que nem é norte e nem é sul, é nesse entre que reside a graduação. nela, o inalcançável. nessa laminha secreta, argila e água por onde sobre se assentam os tijolos. que o homem, a se distinguir do cosmos, tem propósito. e o cosmos, a anteceder o homem, tem inércia, dizia o livro. a simplicidade é dura e traz saúde. a complexidade é molinha assim, fio de haste invisível, e traz doença. aqui nós, um que se funde, outro que se reparte. um ambos. aqui nós, e um estar a beira que é repugnante e delicado. um passo e adentramos a totalidade obscura da noite, a fusão daquele que vê com a esfera mais íntima, o desencarrilho do labirinto. e então o fim, o fim de todas as palavras daqui, o fim de todas as palavras que são, ao modelo do que o Torvelinho faz voejar desajeitado, um pequeno nascimento proveniente da lacuna.

eu fico à porta, você adentra. você faz a condução e transmite para fora aquilo que vê, eu dou formas e voltas  a qualquer coisa de indescritível. a gente é isso, audácia e reserva. e o inevitável desfere a pesados golpes sua parcela de intransponível – o Um é cheio de dobras. e é tudo. é vasto. eu aguço os ouvidos, você amestra os ossos. você empreende o passo. nosso jeito de verdadeiramente nascer. desfolho em verbo esse indescritível, eu o encerro e nisto é que acendo um lastro, como quem acorda de um sonho. rodam ratazanas, gambás e bicos de biguás em volta das asas do pássaro implume.

Era isto, Ondina, espios de dentro, como é que tu e teu sono flutuam nas águas se é de matéria aquosa tua intuição que auscultas, é importante que te lembres apesar da dispersão que guia teu corpo, teu corpo que chega sem vir quando cochila indica um caminho que não fala quietude, teu sorriso de adormecida revela a tua cara que súbito chega às belezas das tensões cotidianas. Lembra, Ondina, que este é teu corpo ainda que não saibas o que fazer dele, ele substância de guerra, lâmina enterrada, ele alabarda, flecha, ele peixe, ele que dá a cada gota sua porção exata de mergulho, faz chazinho de quebra pedra, listas de esquecimentos, desaparece eufórico assim: orando ao Deus, louvada seja a tua miséria, a boquinha de cu pronunciando iridescentes, ela que suspeita, que adivinha, que quando adivinha devora e que quando devora pressente atenta a elevação das marés, era isto: forçuda cintilância, querer OUTRO, mais matéria de palavra, matéria de condenação evanescente, observa aqui este ponto em que a língua articula vestíbulo, passagens nos ocos do verbo é que surge um Outro, agora mesmo mergulha de cabeça e afunda até o tórax, é grande e escuríssima a cisterna, escuto os rumores de fora entre pingos d’água e líquens. Ondina, fala teus trajetos, teus lugares de ficar, de como é bonito e insano teu corpo sempre encharcado e salino aderindo à poeira fina das ruas, perguntando o que é uma cidade?, ultrapassando dois três cruzamentos de ruas fundas, fuligem e osso desconfias, ourinhos brilhando no café americano.

É que penso nas dobras do tempo, esse de abotoaduras, de apertos nos punhos e adivinhações precisas, adivinho matematicamente, faço noções desde pequeníssima, tenho jeitos de saber distraída: adivinhava o número de peixes no aquário plantado, via os ocultos porque supunha nados no abstrato, precisava não vistos com rigor de andarilho, dava-me com os limites, uma finitude era que me excedia. Sei o tempo exato que estou nesta sala, sou natural do osso de Ishango, mas oculto quartzo, a riqueza que só alcanço escondida. Penso na fíbula, uns pesos sobre ela de resistência corajosa, resisto fibular, existe um Outro que me assiste ou que minha boca profere, que calculo silenciosa, tracejo nas paredes porque nomeio casa o que sei de retornos – o meu regresso sempre às beiras, uma atividade de equilíbrio, a levitação e sua graça no espaço, coreografia plena suspense.

Comigo a precipitação foi esquadrinhar a ponto de ser feminil, não movida por alguma espécie de intuição, mas pela precisão, os passos que me levavam junto à casa, essa que incorre em me abrigar enquanto caminho. Eu que não passo, que reincido e que abandono, que calculo sobretudo o que não vejo, que coreografo rente ao chão quando esqueço os palíndromos, a palavra asa por exemplo, essa que maneja voo em direções distintas, que decola, que coincide, espelha-se sem licenças sem pedidos e sem espelhos. Eu queria uma escuridão de nuvem, pesar fazendo sombra longe no chão, ter um movimento de lesma lá nos altos, na boca um Absoluto rastejando mais perto e mais largo. Coisas de proximidade desandando olhar mais esticado, espraiando-se nuns crescidos vistos de perto, as pupilas do Absoluto brincando de aumentar e diminuir no fundo de uma bacia rachada, Outro na antessala meio escura de colocar ecos nela, seu silêncio a gravidade das costas de uma pintura numa sala de museu tão visitada, esteja a senhora atrás da linha amarela que nós não vamos incomodá-la, esteja eu sem querer ver o dorso das Coisas cujo dorso não importa e ficarei sossegada, pequeníssima prezava pelos ocultados, não é fantástico uma pintura aclamada de frente ter uns costados? Abria os brinquedos de fala para de repente sacar os mecanismos, cordas vocais de nylon, aproximo e distancio o rosto da bacia tomada pelo mesmo princípio, ir e vir abrindo o olho do Eu Sou numa prosperidade de águas rasas que estanco com uma das mãos. Eu destroço. O resto é minha ferramenta de brincadeira.

Taí, O QUE É? Aquele que. Aproximo e distancio. Retorno, talvez dúbia, o retorno que é este e que são todos, que possui uma língua, que entrevê nas reincidências, poucas coisas me pertencem, mas com elas o travo é um contato de musgo, uma língua que roce uma palavra que não possa. Selvática. Ouviu? Comunico-me pelo sistema numérico hindu-arábico que significa criação a partir do rearranjo de dez dígitos e permite somar dividir multiplicar diminuir ou só reordenar os números que são letras, mas que se contam porque a tudo se põe número que exista, sem que eles porque existem façam conta de tudo que numeram. Crio valores a esmo, qualquer ordem desenha um sentido, estou 389 anos trópicos no agora, comunico assim: eu, que sou numérica, só escreveria apócrifos, uns nascidos do contestável e da exumação do espírito. O QUE É, ouve, a bacia rasa, que haveres são os do teu silêncio? Grilhão e resto é uma só ferramenta de brincadeira a seu tempo. Que posso se Tudo fazes perguntas? Cedo ouvi sobre o comandante, travas de segurança antiterrorismo, há um terrorismo de dentro que não sabemos, qualquer coisa da teoria dos conjuntos, existires em conjunto, aos pares por cima e por baixo, há saberes da tecnologia impartível, que pode ser? Aquele que. Ouve. Que haveres são os teus? Que boca dizer não digo? E de qual momento de teu silêncio obter comandos? Que porta intransponível combater nas estruturas? Que escândalo calar que se vive? Espera de qual ordem paraí nós estarmos no comando? A caixa preta ultrapassando o Atlântico, quem sabe aí o Absoluto esteja, o Atlântico de funduras no nome, Aquele que, remexendo os óculos antiterrorismo, tua visão sempre apaixonada pelo que não vês, aclarado mistério que avanço e que abandono, reincidente evasiva, pequena Mata Hari à espreita, há uma Esperteza, Absoluto? Uma escrita que não seja a da doença. Que vês de dar vazão? Uma escritora, sem que se fechem as comportas?

Isto sim é que deverias, Ondina: menos aborrecimento, escreve aí umas coisas que te sequem as verrugas da bunda, algo que a gente leia enquanto se balança de rede sem franzir a testa, desopila de palíndromos (como asa), também palavras como Encruecer, Regato e Espalhafato, manda passear a matéria viva tua intensidade, a matéria viva metalinguagem, adquire uma causa, a grande causa, a causa terrena que teu nome não alcança, nome espelho d’água, bico de peixe mirrado, os dois olhinhos marejantes. Adivinha os caralhudos no supermercado, colhões de pêssegos em calda. Larga Aquele que e essa cara recorrente de espantos.

Dizeres rotundos, as pegadas de desvio diluvianas, um pouco de assombro no entre da boca, digo ao Outro que a minha linguagem só vai torta, uma barata pensa, ele escuta a si mesmo e ri, me diz da linguagem e seus joguetes, esse horizonte que se chego até ele torna-se outro é a boca do Outro com suas linhas de fala, alcanço-a e saltam os impercorridos. Mais adiante vejo as costas do Inquisidor, o dorso da pica grossa fazendo pingar esparso entre as pernas, sei que se trata do Inquisidor e saber assemelha-se ao sonho, careço um sono muito antigo, ele não me olha mas questiona Contabilista, espiã arregalada, estrondosa não lida escritora, profeta inescrupulosa, nadadora com triângulo equilátero eixo ombros-teumbigo, escafandrista fatal? Amarra o torniquete aí na tua prosa antes que seja tarde demais, larga a bisnaguinha torta entre as pernas de Deus em troca de uns esporros murchos, automatiza a tua boca, as dentadas que dás nos polpudos das frutas, antepara isto de ser tomada, esquece o piquete junto ao lado de dentro de todas as portas do mundo até que pareça um incidente tua estada.

Ouço as roeduras sobre o tempo, esse toldo de números e aperto nos punhos – sou mulher matematicamente, sem abrigo em todo verbo. Outro me diz que não importa o tamanho da mala, ela sempre será pequena demais. Outro calcula o que não vê, mas sua existência atrita, revela uma estiagem que não conheço, produz arranhões que não são de quartzos, esmeraldas, safiras, aquamarines Dom Pedro, cilício. Escuto as roeduras. Outro me fala de um tempo que é inteiro decorrências.  Grunhidos. Creio em ratos sobre o toldo numa tarefa incansável e eterna. Outro bendiz os meus apócrifos, diz que não fossem eles e eu sairia completamente insana e nua a correr pelas ruas. Não estou furiosa, consciente de que escrevo o que mais sei é que não alcanço, nadadora notável asfixiada submersa pelas águas. Adivinho a sombra rala do Outro, sua materialidade plena, seu corpo inteiramente plano, que não se curva, talvez ele esteja dentro ou um pouco de fora, é certo que me excede e que nasce a modelo de hérnia, as rótulas coladas às minhas, eu que me curvo para medirmos o mesmo tamanho, que curvo ainda mais um pouco quando vejo turvos no seu rosto e faço constatações noturnas enquanto a cidade é inteira espanto e amanhece.

Estios formulando a grande estratégia, pequenas maravilhas de Mata Hari, estou a segundos do último charme, este é o agora, espionagem da grossa, os emissários e seus veículos dentro da boca nascem excelentes condutores. Há de se arregalar os buracos para os haveres d’Aquele que. Fica curiosinha demais e aí vem o Inquisidor de imenso bedelho pentelhudo dizendo Isso de asa não é bem certo nem as pedras preciosas e os apócrifos porosos, espíritos exumados enquanto o lado de cá caminha a explosivos, e a consternação da carne onde é que está? A que tem o peso da História e não dos teus alheios cegos?! A arte e seus ardis, sua movência burguesa de caramujo, sua intervenção de molusco, seu suprassumo da individualidade,

Relinchos sobre o mover-se, rastejo espiralada, o caramujo muito bem empregado por ele sempre admirável, Outro colado a mim, Outro que carrego e que resido faz um desenho na minha língua, grita na minha boca, é que retorço os ofícios por natureza, de onde é que parece que falo? Não é de um estar no mundo? Invadi este labirinto porque não havia outro sítio. É grande e escuríssima a cisterna, homens de negócios eternos, vibrosos com a língua espapaçada de fora, ó Outro que arroto-choco, riquezas pra alcançar escondida, nenhum dom de ser explícita, para fala de palanques, tudo Ilustríssimo, as escarraduras esguichando pelo sempre admirável, por todos os buracos ele e sua imponência na disputa – não importa o esmero empenhado nas estruturas e as palavras despencam, caralhos meneiam voos, órbita dos mísseis insuspeitada nas asas, aterrissagens afoitas, sempre de cabeça é que vem o calhamaço, e não avisa, o povo bem embaixo.

Outro é um reordenado, numeriquíssimo. Não adivinha porque é ele o adivinhado. Outro é o grande calculado. Cálculo do Absoluto. Mas enquanto adivinhado carece de não se saber. Moteja com as possibilidades. Fosse ele no aquário plantado Ondina não adivinharia quens. Outro não tem propriedades de coisas que se possam saber. E o outro do Outro é ele mesmo. No ponto de chegada, o mesmo segredo. Ondina enxerga o surgimento do Outro com vagueza – ou ele foi proferido para lhes surgir depois ou antes de ser dito já era aquele que observava ou a medida em que foi sendo proferido é que foi se desenhando em silhueta observações e nadas. Palavras. Coladas à boca do Absoluto. E Ondina arrisca, Outro veio da oquidão de presença e do antônimo de palavra. Sim. Silêncio não cabe neste antônimo porque como não nomear a ausência total? Então, o antônimo de palavra. Isso que não sei o que é. Que é outra coisa e que é do Outro. Eu disse antônimo? Também colisivo me passou pela cabeça. Colisivo de palavra. Sinônimos ou antônimos permanece o mesmo pandemônio. Outro: um cálculo do Absoluto revirando os oclinhos, vendo e não vendo, amando aquilo que entrevê, querendo nos dar meios de, ao mesmo tempo que tomado pelo terrorismo por dentro, aquele que não sabemos, mas que arremessa uma tripulação inteira contra os Alpes. Sibilante. Pois, do Outro o que não sabemos é o resultado, um saber em curso no tempo que o habita, Ondina estava nuns átimos, talvez nuns acréscimos, sendo esta para ser outras, mas seja qual for o tamanho da mala ela será pequena – então que eu carregue o menos possível enquanto percorro lugares que me são estranhos e fico perdida para compreender este itinerário, os passados e o que advém. Perder-se para lembrar, sempre, a partir do que se revela estranho. Nomear casa um estado de errância a que retorno, entortar a língua porque se há outro sítio os meus meios de adivinhá-lo foram escassos e depois grunhidos, os ratos devoram o tempo que decorre.